segunda-feira, 16 de setembro de 2013

(1968) Lebenszeichen

                                                  Alemanha (filmado na ilha grega Kós) | 87min | 35 mm |p & b
                                                                                Roteiro, produção e direção: Werner Herzog
                                                                                                                     Som: Herbert Prasch
                                                                                            Montagem: Beate Mainka-Jellinghaus
                                                                                                           Fotografia: Thomas Mauch
                                                                                                            Música: Stavros Xarhakos 
Elenco: Peter Brogle (Stroszek), Wolfgang Reichmann (Meinhard), Athina Zacharopoulou (Nora), Wolfgang von Ungern-Sternberg (Becker), Wolfgang Stumpf (capitão), Henry van Lyck (tenente), Julio Pinheiro (cigano), Florian Fricke (pianista), Heinz Usener (médico), Achmed Hafiz (habitante do local)


"Tenho o sentimento de que a vida é um tanto desequilibrada por aqui."¹


Inspirado na novela Der Tolle Invalide Auf Dem Fort Ratonneau (“Os Grandes Inválidos No Forte Ratonneau”, em alemão), de 1818, do escritor alemão Achim von Arnim (1781-1831), Lebenszeichen (“Sinais De Vida”, também em alemão), é o primeiro longa-metragem de Werner Herzog.

No filme, o paraquedista Stroszek, ferido em combate, é levado do hospital para um depósito de munição em uma antiga fortaleza veneziana a fim de passar o resto da guerra sem correr grandes riscos.

Com ele vão sua esposa grega e mais dois soldados, o compenetrado (e interessado por cultura) Becker e o parvo e grosseiro Meinhard (que serve de certo alívio cômico). Cada coadjuvante parece ter papel arquetípico na história, representando, respectivamente, a comunicação falha, a introspecção e a estupidez.

A fim de espantar o tédio sob o calor do Egeu, os quatro pintam o forte, passeiam na praia, traduzem inscrições antigas, criam cabras, tentam matar as baratas que infestam a construção, enquanto são rodeados por moscas, sob o clima quente, rodeados pela vegetação e pelas ruínas.

Nas conversas, todos andam em círculos: fala-se de galinhas, lagartas, ciganos. E os moinhos de vento (Dom Quixote?), girando sem ir a lugar algum, enquanto mostram-se peixes nadando em círculos. Mesmo o relacionamento de Stroszek com a esposa grega, que mal fala alemão, contribui para a sensação de isolamento, dificuldade e aridez do filme.


Tédio...

...e mais tédio.

Enquanto isso Stroszek fica procurando ‘sinais de vida’, e a cruel epifania dos moinhos parece fazê-lo ver que a existência simplesmente não faz sentido, que é tudo gratuito.

Perdido o conflito com a natureza (tema sempre caro a Herzog), é preciso que exista a guerra, que esta seja inventada (tal como em Die Beispiellose Verteidigung Der Festung Deutschkreuz), por isso Stroszek se tranca no depósito de armamentos e cria uma espécie de guerra particular contra o resto da ilha.

Para a crítica de cinema italiana Grazia Paganelli, “a loucura de Strozsek consiste em sair das convenções do mundo, em finalmente tomar consciência de nunca ter feito parte dele” ².

Isso vai ao encontro do que o próprio diretor diz: “Na verdade, eu sempre senti que realmente Stroszek é bastante sensato, mesmo quando se tranca na fortaleza e atira fogos de artifício na cidade. Eu acho que ele está na reagindo de maneira quase necessária, confrontando violência com violência, absurdo com absurdo...”³


Stroszek enlouquecendo sob o sol

A trilha de Stavros Xarhakos, que a mim, leigo, não parece com nada grego (que é bastante dramático), e sim com moda de viola (com contrapontos de violoncelo), é bem adequada e dá grande beleza e melancolia às cenas.

Aliás, é um filme muito bonito, mais sensível e menos impactante que os outros filmes de Herzog que já vi. Recomendo para qualquer cinéfilo.

Alguns elementos de Lebenszeichen repetir-se-ão em outros filmes: Jeder Für Sich Und Gott Gegen Alle, de 1974, tem uma cena com galinha hipnotizada; o nome do protagonista reaparece no personagem principal e no título de Stroszek (1977); e os moinhos de vento surgem novamente em The Wild Blue Yonder (2005).

Além do óbvio parentesco com Die Beispiellose Verteidigung Der Festung Deutschkreuz, o filme também traz semelhanças com O Deserto Dos Tártaros (1940), do escritor italiano Dino Buzatti (1906-1962), ambos tratando sobre soldados que esperam o inimigo que jamais vem, e lembra o universo de Esperando Godot (1952), do dramaturgo irlandês Samuel Beckett (1906-1989), na questão da espera inútil por alguém/alguma coisa. E um filme mais recente que também trata dessa ânsia dos soldados pelo combate é o divertido Jarhead (Soldado Anônimo), de 2005, dirigido por Sam Mendes.

Este é o filme de Herzog com a maior variedade de animais: além das já citadas baratas e galinha, temos coruja (empalhada e de madeira), ovelha, cachorros, cágados, lagartos, moscas, gatos e passarinhos, além de uma mula morta.

Sobre as galinhas especificamente, nos comentários em áudio no DVD de Lebenszeichen (lançado em 2005, mas obviamente inédito no Brasil), Herzog diz:


Elas são muito assustadoras para mim. (...)Você olha nos olhos de uma galinha e se perde em si mesmo, é uma estupidez assustadora, completamente monótona. (...)"Tente olhar uma galinha no olho com grande intensidade, e a intensidade da estupidez que está olhando pra você é simplesmente fantástica" (...) Adoro galinhas, mas elas me assustam mais do que qualquer outro animal.

"Que expressão estúpida as galinhas têm."

O filme se passa durante a ocupação nazista na Grécia, mas o contexto histórico não faz nenhuma diferença para o andamento da história. Na verdade você só lembra de que há uma guerra por ali quando os três soldados alemães conversam normalmente com um cigano – o absurdo da situação, usada provocativamente pelo diretor, reforça a mensagem de alienação e falta de sentido de tudo.
 
A fortaleza do século 14 onde o filme se passa foi local de trabalho, por muitos anos, do arqueólogo Rudolf Herzog, avô do cineasta, que publicou traduções das gravuras em grego antigo que aparecem no filme. E o velho turco, que aparece no tentando traduzir as inscrições, era o último trabalhador sobrevivente do projeto arqueológico de Rudolf.

O pianista que aparece no filme é Florian Frickle, do grupo alemão de krautrock Popol Vuh, que faria a trilha sonora de muitos filmes de Herzog posteriormente. O nome da banda, aliás, vem dos textos sagrados maias que terão papel central em Fata Morgana, de 1970. E o próprio Werner Herzog faz uma ponta em Lebenszeichen, como um dos soldados que transportam Stroszek para o hospital no início do filme.

Outra característica dos filmes herzogianos – as dificuldades imprevistas – surge nas filmagens de Lebenszeichen: quando tudo estava pronto para o filme começar a ser rodado, a Grécia sofreu um golpe de Estado, obviamente dificultando o ir e vir da equipe; depois, Peter Brogle sofreu um acidente, quebrou a perna e o filme precisou ser interrompido por seis meses; e no final, a polícia local tentou impedi-los de usar fogos de artifício (!) no filme. Deve ter servido como preparação para os problemas que Herzog teria em filmes como Fata Morgana e Fitzcarraldo (1982).

Lebenszeichen venceu o Urso de Prata (Prêmio Extraordinário do Júri) no 18º Festival de Berlim, em 1968, e foi o primeiro sucesso de crítica do diretor.

Em entrevista de 2005 ao crítico americano Roger Ebert (1942-2013), Herzog disse que mandou uma cópia de Lebenszeichen pelo correio à escritora e crítica de cinema franco-alemã Lotte Eisner (1896-1983), que gostou do que viu e o enviou a Fritz Lang (1890-1976), recomendando: “Enfim temos cinema novamente na Alemanha”.


¹ Uma das falas de Stroszek em seu processo de enlouquecimento.
² PAGANELLI, Grazia. Sinais De Vida: Werner Herzog E O Cinema (Segni Di Vita: Werner Herzog E Il Cinema, 2008). Indie Lisboa, 2009.
³ HERZOG, Werner. In: Herzog On Herzog, de Paul Cronin. Faber & Faber, 2001.

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