Alemanha (rodado em Munique e na Califórnia) | 43min | 16 mm |cor
Roteiro: Werner Herzog, a partir de ideia de Hans Peter Meier
Produção, som e direção: Werner Herzog
Montagem: Beate Mainka-Jellinghaus
Fotografia: Jörg Schmidt-Reitwein
Elenco: Rolf Illig (narração)
Tal como Die Fliegenden Ärzte Von Ostafrika, este Behinderte Zukunft (Futuro Deficiente, em alemão) foi feito por encomenda (desta vez, a pedido de um amigo deficiente do diretor) e, por isso mesmo, é mais convencional e objetivo do que os filmes costumeiros de Herzog.
Ouvimos a voz de Werner Herzog pela primeira vez, como entrevistador, nesta reportagem sobre a situação das crianças com deficiência física, notadamente talidomida, na Alemanha da época. No filme, discute-se não só a questão da acessibilidade, mas também o preconceito e a aversão que seus corpos diferentes despertam no resto da sociedade.
Segundo o filme, entre o final dos 1960s e o início dos 1970s, havia mais de 4,5 milhões de alemães com alguma deficiência física, sendo 470.000 crianças em idade escolar. Munique, uma das cidades menos adaptadas da Alemanha, abrigou a partir de 1968 um conjunto habitacional arquitetonicamente adaptado para abrigar crianças deficientes e suas famílias. Até então essas crianças ficavam em instituições especializadas.
Não deixa de ser uma forma de isolar o problema para não lidar com ele, afinal nem mesmo a população queria conviver com o diferente. Assim, do início ao fim, Behinderte Zukunft é um pequeno tratado sobre solidão e isolamento.
É bem doloroso ver o quão cedo as crianças deficientes percebem ser diferentes. Desenham-se isoladas, ora fora de tudo, ora presas atrás das grades. Uma delas pede de volta à professora um desenho de uma pessoa (provavelmente ela mesma) que havia feito e desenha um monte de lágrimas nele. Outras tentam brincar entre si e fazer exercícios, executar tarefas, mas é tudo dificultoso, sempre com ares de tristeza.
Além das próprias crianças, temos depoimentos de professores, crianças “normais” que convivem com as deficientes, e parentes que tanto lidam o melhor possível com os filhos ‘especiais’ quanto uma mãe que só sai com a criança no inverno, para poder enchê-lo de blusas e cobertas, para que as deficiências fiquem escondidas; quanto não está frio, a tarefa fica para outros parentes. Sim, é tão triste quanto parece.
Destaque
para a depressiva (e extremamente lúcida para sua idade) Dagmar, de
apenas seis anos, que fala do quão entediante é ficar apenas olhando
enquanto todos praticam esportes na escola, e de seus sonhos de conhecer
índios americanos (?) e fazer caminhadas.
No final, o filme vai para a Califórnia, mostrando como um jovem alemão com poliomielite vive com muito mais qualidade por lá, uma vez que tudo é mais bem adaptado para deficientes, de modo que ele se sente mais integrado à sociedade e menos dependente dela, e assim até o preconceito diminui, e conclui com uma constatação pessimista e sombria (como não podia deixar de ser), à maneira de Die Fliegenden Ärzte Von Ostafrika de que se não mudássemos o jeito de pensar o problema da acessibilidade e da integração dos deficientes físicos, tudo o que poderíamos oferecer a essas crianças seria um futuro deficiente. Dois mil e treze, mudou alguma coisa? Só se mudou em Munique, porque nestas plagas...
De todo modo, este pequeno filme, feito para a televisão (um dos poucos 16 mm filmados pelo alemão) é um tanto cansativo, exceto se você se interessar muito ou estudar o tema da acessibilidade para crianças. Apesar de temas caros ao diretor, como o não-pertencer a sociedade, e a hostilidade da natureza e do próprio corpo contra o indivíduo, Behinderte Zukunft é basicamente uma grande reportagem, bem mais impessoal do que Die Fliegenden Ärzte Von Ostafrika, por exemplo.
É um Herzog menor, ainda que tenha grande importância em sua filmografia por um motivo: durante a produção deste filme, Herzog conheceu Fini Straubinger, que seria protagonista de seu filme seguinte, Land Des Schweigens Und Der Dunkelheit, do mesmo ano,¹ que segue pela mesma linha de deficiência x solidão, porém de forma muito mais intensa, muito mais herzogiana.
1 HERZOG, Werner. Herzog On Herzog, de Paul Cronin. Editora Faber & Faber. 2001.
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