Alemanha (filmado na Alemanha, no Alasca e na Irlanda) | 97min | 35 mm |cor
Roteiro, produção e direção: Werner Herzog
Montagem: Beate Mainka-Jellinghaus
Fotografia: Jörg Schmidt-Reitwein
Som: Haymo Henry Heyder
Música: Florian Frickle (Popol Vuh)
Elenco: Josef Bierbichler (Hias), Stefan Güttler (proprietário da vidraria), Clemens Sscheitz (Adalbert), Sonja Skiba (Ludmilla)
Roteiro, produção e direção: Werner Herzog
Montagem: Beate Mainka-Jellinghaus
Fotografia: Jörg Schmidt-Reitwein
Som: Haymo Henry Heyder
Música: Florian Frickle (Popol Vuh)
Elenco: Josef Bierbichler (Hias), Stefan Güttler (proprietário da vidraria), Clemens Sscheitz (Adalbert), Sonja Skiba (Ludmilla)
“Em dois minutos, todos os quatro fazendeiros estavam profundamente hipnotizados. Percebendo isso, Herzog as deu suas instruções de atuação. Disse-lhes que estavam em solo sagrado, mas que quando abrissem os olhos eles veriam uma terra perturbada por terríveis gigantes. Eles ficariam tão apavorados, e ficaram, que seis lábios tremeriam e seus braços chacoalhariam. Mas ele assegurou que não importava o quão amedrontadoras as coisas pudessem ser, eles estariam bem protegidos e poderiam dizer suas falas sem qualquer problema.” ¹
Sim, todos os atores de Herz Aus Glas (“Coração de Vidro”), exceto pelo protagonista, atuaram sobre hipnose, e isso é o que há de mais interessante no filme: o resultado da experiência são atores de olhar distante e voz monótona recitando o texto, fossem ruins de atuação e/ou estivesse dopados.
Mais uma das loucuras do diretor alemão. Nas palavras da neurologista francesa Claude Chiarini, uma das consultoras do filme, “Ele se cerca de loucura. As pessoas que ele conhece e com quem ele trabalha são basicamente malucas”. ²
Atuações hipnotizadas e hipnotizantes |
Para além desse experimento, porém, a história é bastante simples: sob o prog-krautrock do Popol Vuh e imagens exuberantes, solitárias (e, de certa forma, também ‘hipnóticas’), de uma natureza intocada, que sugere o início dos tempos, um profeta faz predições sobre o fim do mundo – catástrofe & renascimento.
Em seguida, profetiza aos habitantes de uma floresta bávara, por volta dos 1800s, um incêndio que destruirá a fábrica de vidro que traz prosperidade a essa população.
Vastidão da Natureza |
O profeta imerso em seus pensamentos |
O mestre da fábrica, que detinha o segredo da fabricação do vidro-rubi, seu maior produto, morre, fazendo com que o líder da aldeia enlouqueça à procura da receita do vidro, chegando a matar sua criada para usar seu sangue numa tentativa de reproduzi-lo.
O filme vai mostrando a deterioração do povo do vilarejo em cenas lentas, algo surreais, que pouco se conectam umas as outras, intercaladas com imagens de uma natureza intocada (ou escatológica).
O precioso vidro-rubi |
Aldeões patéticos perdidos |
O vidente, ao mesmo tempo, é o mais louco e o único lúcido (não por acaso é o único não hipnotizado), enquanto a população se debate no apocalipse das profecias.
A crítica italiana de cinema Grazia Paganelli teoriza: “No cinema de Herzog, a percepção das e coisas e dos fenômenos sofre uma espécie de abanão das regras. O ponto de vista é o de um olhar que quer escavar até o fundo para descobrir como certas pessoas percebem/veem/ouvem as coisas. (...) O realizador reserva a sua atenção específica às diversas tonalidades da percepção, à tomada de consciência, ou de conhecimento, no âmbito da experiência sensível, que depois é o cinema e, portanto, o êxtase.“ ³
Tem-se a impressão de que Herzog pretende mostrar que não só a Natureza deu errado (como ocorre em tantos filmes dele), mas também a humanidade vaga estúpida, fracote e sem rumo, sobre o orbe.
Nas palavras do estudioso norte-americano de cinema alemão Eric Rentschler, “Herz Aus Glas prova ser um filme perturbador, no qual Herzog deixa para trás sua defesa russelliana da natureza intocada e seu desejo fanático de combater as forças civilizatórias que a devastam e pervertem, impondo uma homogeneização à heterogeneidade da existência.” 4
Para o crítico norte-americano de cinema Roger Ebert (1942–2013), “Herz Aus Glas é uma visão do futuro do homem como desolação”. 5
Ebert também vê “na história do fracasso de uma pequena fábrica de vidro, a ascensão e o colapso da Revolução Industrial, o desespero de comunidades dependentes da manufatura, a falta de objetivos de homens e mulheres sem um senso de propósito”. 6
Impressionadíssimo, finaliza: “Assim, tenho um sentimento que evoca meu pesar enquanto vejo um mundo mergulhando na autodestruição, e me sinto sortudo por ser velho, pois não haverá outra vida inteira de felicidade sobrando para a maioria das pessoas neste planeta. Na maior parte do meu tempo, ainda havia um vidro avermelhado”. 7
Sobre o final (que, aliás, foi feito de última hora, pois não estava no roteiro), em que uma pequena expedição num barco ruma aos confins do oceano, para saber se a Terra é mesmo plana, Grazia explica: “Nesse excerto está a explicação de um filme tão misterioso, a diferença entre ver e ver, entre a imagem como imaginação e a imagem como alucinação. O saber não é o ponto de chegada, mas o percurso para chegar à visão do fim do mundo. Por isso o filme tem de ser interpretado por atores hipnotizados, para poderem compartilhar o sonho em que estão mergulhados, saírem do filme para dele poderem fazer parte de forma definitiva”. 8
Em busca de alguma coisa |
Apesar disso, Herz Aus Glas é o filme de que menos gostei até agora (junto com Massnahmen Gegen Fanatiker). Ainda que propositadamente, o ritmo é terrivelmente lento, desconexo, vazio, o que, combinado às atuações desapaixonadas dos atores hipnotizados, deixa o conjunto extremamente entediante.
Uma vez que você entendeu que a tônica do filme é o ir e vir, descolado do tempo e até do espaço, daquelas pessoas fracassadas, mergulhadas naquela enorme falta de perspectivas, as dezenas de minutos seguintes são por demais enfadonhas. Precisei ver o filme aos poucos, pois ia perdendo a paciência com ele.
Recomendo só para fanáticos por Werner Herzog mesmo.
Curiosidades sobre o filme:
– Já haviam aparecido outros seres hipnotizados – no caso, galinhas – nos filmes Lebenszeichen e Jeder Für Sich Und Gott Gegen Alle.
– Antes de filmar Hers Aus Glas, Herzog havia feito testes exibindo seus filmes (como Aguirre, Der Zorn Gottes) para plateias hipnotizadas, mas o resultado não tinha sido satisfatório.
– Herzog diz ter sido influenciado pelo curta-metragem (36min) Les Maitres Fou (“Os Mestres Loucos”), de 1995, do cineasta francês Jean Rouch (1917–2004), documentário com toques de ficção, bem ao gosto do alemão, sobre as celebrações do movimento religioso tribal Hakuna, em Gana, no qual os participantes permanecem sob o efeito de pesados entorpecentes.
– O roteiro é livremente adaptado de um capítulo da novela Die Stunde Des Todes (“A Hora Da Morte”), de 1975, do escritor alemão Herbert Achternbusch (1938–), que, por sua vez, se baseou em uma antiga lenda bávara sobre um profeta que fazia predições sobre o fim do mundo.
– Achternbusch, alias, faz uma ponta em Jeder Für Sich Und Gott Gegen Alle, justamente como o hipnotizador de galinhas.
– Para a produção, Herzog e seu diretor de fotografia, Jörg Schmidt-Reitwein, se inspiraram no trabalho do pintor barroco francês Georges de La Tour (1593–1652) para compor a atmosfera do filme.
– O diretor faz uma ponta como um dos homens que carregam uma carga de vidro-rubi nas costas para ser jogada no riacho.
– Da mesma cena, também participa o ator e diretor norte-americano Alan Greenberg, então jovem discípulo do alemão. Sobre a experiência de participar do filme, Alan escreveria, 13 anos depois, o livro Every Night the Trees Disappear: Werner Herzog and the Making of Heart of Glass.
– Segundo Herzog, o profeta do filme “existiu mesmo e seus provérbios ainda podem ser lidos, foram publicados no século 19”. No caso, ele se refere ao lendário profeta bávaro Mühlhiasl, que teria vivido no século 18 e feito previsões sobre o futuro dos vilarejos por onde passava.
– Uma pista sobre o significado do título do filme é que ‘vidro colorido’ é uma metáfora de longa tradição na literatura alemã, especificamente entre os românticos. Geralmente sugere as lentes subjetivas pelas quais vemos o mundo e que nos impedem de ver as coisas como elas são.
¹ GREENBERG, Alan. Every Night The Trees Disappear: Werner Herzog And The Making Of Heart Of Glass. Chicago Review Press, 2012.
² CHIARINI, Claudia. In: Every Night The Trees Disappear: Werner Herzog And The Making Of Heart of Glass, de Alan Greenberg. Chicago Review Press, 2012.
³ 8 PAGANELLI, Grazia. Sinais De Vida: Werner Herzog E O Cinema (Segni Di Vita: Werner Herzog E Il Cinema, 2008). Editora Indie Lisboa, 2009.
4 RENTSCHLER, Eric. The Politics Of Vision: Herzog's Heart Of Glass. In: The Films Of Werner Herzog: Between Mirage And History, de Timothy Corrigan. Methuen, 1986.
5 6 7 http://www.rogerebert.com/reviews/great-movie-heart-of-glass-1976
Quais são os seus prediletos, já que esse é um dos que menos gosta?
ResponderExcluirEl tem mais de 50 filmes, então tentei separar cinco:
Excluir(2005) Grizzly Man
(1977) Stroszek
(1972) Aguirre, Der Zorn Gottes
(1970) Fata Morgana
(1970) Auch Zwerge Haben Klein Angefangen
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