sexta-feira, 30 de agosto de 2013

(1964) Spiel Im Sand [inédito]



                                                             Alemanha (filmado na Áustria) | 14min | 35 mm, p & b
                                                     Roteiro, produção, direção, som e montagem: Werner Herzog
                                                                                                           Fotografia: Jaime Pacheco
                                                                                                                  Música: Uwe Brandner
                                                                                                                                     Elenco: ?



Neste curta-metragem (o título é “Jogo Na Areia” em alemão) rodado em uma colônia croata no sudoeste da Áustria e nunca exibido publicamente, quatro crianças no terreno arenoso de um sítio brincam cruelmente com um galo em uma caixa de papelão, enterram-no vivo até o pescoço e o matam no final da projeção.

Segundo Herzog, apenas três ou quatro amigos viram o filme antes que o diretor decidisse nunca mais exibi-lo. “É difícil falar dele porque, durante a filmagem, tive a sensação de que as coisas fugiram do controle”¹. Mesmo assim a cena seria reencenada (mas não levada às últimas consequências) em Lebenszeichen, de 1967 (como veremos em breve).

Mesmo assim, o diretor considera Spiel Im Sand mais filme que Herakles, e uma importante evolução em seu aprendizado.

[Uma vez que o (pouco) que se sabe do filme é pelo próprio Herzog, e dificilmente ele será demovido da ideia de nunca exibir o infame curta publicamente, ficamos por aqui sem imagens ou maiores análises.]

¹ HERZOG, Werner. In: Herzog On Herzog, de Paul Cronin. Faber & Faber. 2001.

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

(1962) Herakles

                                                                                           Alemanha | 12min | 35 mm | p & b
                                                     Roteiro, produção, direção, som e montagem
: Werner Herzog
                                                                                                           Fotografia: Jaime Pacheco
                                                                                                                  Música: Uwe Brandner
                                                                                                          Elenco: Mr. Alemanha 1962




Cena inicial do filme

Olhando para Herakles hoje, percebo que o filme é um pouco estúpido e sem sentido, ainda que, naquele momento, fosse um importante teste para mim. Ele me ensinou sobre a edição em conjunto de um material muito diverso, que normalmente não se posicionaria confortavelmente como um todo. O filme foi algum tipo de aprendizado para mim. Apenas senti que seria melhor fazer um filme do que ir à escola de cinema.

Este curta-metragem é o primeiro trabalho cinematográfico de Herzog, então com 20 anos. Antes disso ele já havia escrito alguns roteiros, porém não os levou adiante. Para essa estreia, Herzog roubou uma câmera de uma escola de cinema de Munique e leu um livro sobre técnica cinematográfica.

Herakles ("Hércules", em grego) é recomendado só para aficionados pelo diretor. Apesar de breve, é cansativo e conceitual/experimental em demasia, e eu só adquiri certa simpatia por ele depois de buscar possíveis significados para as analogias mostradas.

Trata-se de uma sucessão de monótonas cenas (com ar de cinema mudo – até porque não há falas no filme) com halterofilistas fazendo exercícios físicos em uma academia, intercaladas como representações irônicas de seis dos Doze Trabalhos de Hércules.

Assim temos as seguintes legendas (em alemão) e os desafios em versão moderna em seguida.

1. Será que ele vai limpar os estábulos de Augias?
– Gigantesco depósito de lixo 

2. Será que ele vai matar a Hidra de Lerna?
– Fila interminável de carros congestionados numa estrada

3. Será que ele vai domar as éguas de Diomedes?
– Acidente de carros em Le Mans, com várias vítimas

4. Será que ele vai derrotar as amazonas?
– Mulheres de uniforme militar marchando

5. Será que ele vai subjugar os gigantes?
– Cidade reduzida a escombros por algum desastre

6. Será que ele vai resistir às aves do Estínfale?
– Caças da Força Aérea dos Estados Unidos disparando mísseis e bombas



Wird er die Amazonen besiegen?

O anúncio do Quarto Trabalho e seu correspondente moderno

Dois traços herzogianos já são reconhecíveis: certa indefinição entre documentário e ficção – no caso, temos uma ficção com muitas imagens documentais/de arquivo – e certo nonsense/surrealismo nas situações (o próprio argumento do curta é bastante “livre”).

Essa experiência de montar uma narrativa (tanto faz se ficcional ou documental, no caso dele) com imagens de arquivo diversas e incompatíveis faria parte do estilo herzogiano até em filmes bem recentes, como Encounters At The End Of The World, de 2007, como veremos (bem) mais pra frente.

Já a trilha sonora, de saxofone jazzista, divide espaço com efeitos sonoros que remetem a uma academia de ginástica e não traz nada de especial.

Para não dizer que o filme é simplesmente dispensável, fui procurar possíveis significados implícitos naqueles nove minutos de projeção.

O historiador alemão Walter Burket, considerado o maior estudioso vivo de mitologia greco-romana, afirma no livro Greek Religion, de 1985, que os Doze Trabalhos do herói mítico (filho de um deus com uma mortal) representam a superação trágica dos grandes perigos da vida e até da própria morte.

Werner Herzog, não se sabe se (apenas) numa crítica ao culto excesso do corpo, ou numa metáfora da fragilidade gratuita da existência humana, confronta o Hércules moderno, de forma sarcástica, com “trabalhos” subvertidos – males contemporâneos como engarrafamentos, excesso de lixo, militarismo e guerra (um trauma maior para os alemães), desastres naturais e automobilísticos, perante os quais sua força e beleza de nada servem, tornam-se obsoletas, inúteis.

Essas análises e elucubrações me deixaram mais simpático ao filme, mas continuo achando que só vale a pena para aficionados mesmo.

Chama a atenção também a escolha por filmar em 35 mm, típico de cinema (em vez de 16 mm, mais econômico e adequado para filmes independentes/experimentais) logo na incipiente estreia.

Para Herzog, qualquer coisa que não fosse filmada em 35 mm era amadora – ele sempre pretendeu ser profissional –, e mais do que isso, tal formato revelaria imediatamente se ele teria ou não algo a dizer com sua arte. Em suas palavras: “Comecei pensando comigo ‘se eu falhar, falharei tão duramente que jamais me recuperarei'” ².



¹ ² HERZOG, Werner. In: Herzog On Herzog, de Paul Cronin. Faber & Faber, 2001.