Alemanha (Pensilvânia, EUA) | 45min | 16 mm |cor
Roteiro, produção, som e direção: Werner Herzog
Montagem: Beate Mainka-Jellinghaus
Fotografia: Thomas Mauch
Som: Walter Saxer
Elenco: Steve Liptay, Ralph Wade, Alan Ball, Abe Diffenbach outros participantes do campeonato mundial de pregoeiros dos leilões de gado
Roteiro, produção, som e direção: Werner Herzog
Montagem: Beate Mainka-Jellinghaus
Fotografia: Thomas Mauch
Som: Walter Saxer
Elenco: Steve Liptay, Ralph Wade, Alan Ball, Abe Diffenbach outros participantes do campeonato mundial de pregoeiros dos leilões de gado
“Eu estava fascinado pelos pregoeiros de leilão e sempre tive o sentimento de que sua incrível linguagem era a real poesia do capitalismo. Todo sistema desenvolve seu próprio tipo de linguagem extrema, como os cânticos rituais da Igreja Ortodoxa, e há algo definitivo e absoluto na linguagem que os leiloeiros usam. Depois daquilo, até onde dá para ir? É ao mesmo tempo assustador e belo; há uma verdadeira musicalidade na entrega do discurso, no senso de ritmo que essas pessoas têm. É quase como um encanamento ritual.” ¹
Feito para a televisão alemã, How Much Wood Would A Woodchuck Chuck (trava-línguas usado por um dos competidores, e que significa algo como “Quanta madeira morderia uma marmota”), cujo subtítulo é Beobachtungen Zu Einer Neuen Sprache (“Observações sobre uma nova linguagem”) é um documentário que mostra o 13º Campeonato Mundial dos Leiloeiros de Gado, realizado em 1975, em Fort Collins, no Colorado.
Todo mundo quer ser especial, diferente, melhor em alguma coisa, admirado. E esses homens querem ser os melhores em narrar leilões muito, muito rápido. Tão rápido que mal dá para distinguir as palavras, é mais o som de um berimbau sendo tocado. A linguagem se dissolve em figuras, cadências e gestos quase imperceptíveis entre compradores e vendedores.
Herzog está tão interessado, mais uma vez, nos limites da linguagem – no caso, uma linguagem criada por um sistema econômico –, que nem se dá ao trabalho de dizer os nomes dos competidores ou contextualizá-los: seus depoimentos surgem e se vão todos iguais, tolos e vazios, sem qualquer interferência do diretor. Aliás, só sabemos o nome do vencedor porque este é anunciado no sistema de som do evento.
Em suas palavras: “Meu sonho desde então tem sido voltar no tempo e fazer uma versão de Hamlet em menos de quinze minutos. Todos os participantes do campeonato mundial de leiloeiros recitando Shakespeare. Isso seria grande poesia.” ²
Enquanto isso, após cenas bucólicas sob trilha folk, conhecemos os amishes da região, protestantes conhecidos por renunciar à modernidade: evitam usar eletricidade, têm grande autonomia de subsistência (não só alimentícia), mantém escolas próprias, fazem as próprias roupas tudo para não depender de “gente de fora”. Eles, que sequer têm a expressão “campeonato mundial” no vocabulário, aparentemente estranham a movimentação dos vizinhos leiloeiros-competidores, mas, mesmo assim, oferecem lanches e doces a eles.
E logo vemos que alguns amishes também participam dos leilões – ou seja, aparentemente é inevitável a cooptação/assimilação do indivíduo social pelo sistema capitalista, mesmo nessa faceta mais estúpida. Nesse caso, são duas seitas, ambas cheias de hermetismos e estranhezas, alienações e dogmas, se encontrando numa área rural dos EUA.
[Talvez, no fundo, os amishes também queiram ser diferentes e especiais, pela via da renúncia à grande população, ou os amishes que vão ao leilão queiram fazer parte daquela outra exclusividade dentro da exclusividade deles, mas o filme não entra nesse mérito, é apenas especulação minha.]
Segundo o estudioso de cinema alemão John E. Davidson, “as simples escolhas de Herzog em filmar primariamente vários competidores através do dia permitem que o espectador desenvolva um senso generalizado de ‘vencedores’ – os três melhores (que conhecemos no início do filme) são uma extensão deslocada disso, que nós conhecemos durante o documentário”. ³
Davidson também crê que essa divisão entre vencedores x perdedores, nós x eles, os que têm x os que não têm, “nos ajuda a entender melhor o que Herzog descobre em seus documentários norte-americanos”. 4
[Isso vai ficar bem claro na cruel pintura do “sonho americano” que o diretor fará no ano seguinte, em Stroszek.]
Este filme, tanto pelo hermetismo da linguagem esquisita, quanto pelos quadrúpedes presentes, e também pelo ridículo da situação, tem parentesco com Massnahmen Gegen Fanatiker, e também padece dos mesmos defeitos.
How Much Wood Would A Woodchuck Chuck começa bastante intrigante, com a apresentação dos competidores, suas explicações algo vazias, e a guinada da história para a apresentação dos amishes. No entanto, quando começa o campeonato propriamente dito, são dezenas de minutos daquele som de corda de berimbau vibrando, gado indo e vindo, e compradores fazendo gestos típicos do gestual das partidas de truco. E o final, anticlimático, é decepcionante.
Mais um Herzog só para fanáticos mesmo. Ou no máximo, para ser visto só até a metade.
Curiosidades sobre o filme:
Feito para a televisão alemã, How Much Wood Would A Woodchuck Chuck (trava-línguas usado por um dos competidores, e que significa algo como “Quanta madeira morderia uma marmota”), cujo subtítulo é Beobachtungen Zu Einer Neuen Sprache (“Observações sobre uma nova linguagem”) é um documentário que mostra o 13º Campeonato Mundial dos Leiloeiros de Gado, realizado em 1975, em Fort Collins, no Colorado.
O competidor |
Todo mundo quer ser especial, diferente, melhor em alguma coisa, admirado. E esses homens querem ser os melhores em narrar leilões muito, muito rápido. Tão rápido que mal dá para distinguir as palavras, é mais o som de um berimbau sendo tocado. A linguagem se dissolve em figuras, cadências e gestos quase imperceptíveis entre compradores e vendedores.
Herzog está tão interessado, mais uma vez, nos limites da linguagem – no caso, uma linguagem criada por um sistema econômico –, que nem se dá ao trabalho de dizer os nomes dos competidores ou contextualizá-los: seus depoimentos surgem e se vão todos iguais, tolos e vazios, sem qualquer interferência do diretor. Aliás, só sabemos o nome do vencedor porque este é anunciado no sistema de som do evento.
Em suas palavras: “Meu sonho desde então tem sido voltar no tempo e fazer uma versão de Hamlet em menos de quinze minutos. Todos os participantes do campeonato mundial de leiloeiros recitando Shakespeare. Isso seria grande poesia.” ²
Enquanto isso, após cenas bucólicas sob trilha folk, conhecemos os amishes da região, protestantes conhecidos por renunciar à modernidade: evitam usar eletricidade, têm grande autonomia de subsistência (não só alimentícia), mantém escolas próprias, fazem as próprias roupas tudo para não depender de “gente de fora”. Eles, que sequer têm a expressão “campeonato mundial” no vocabulário, aparentemente estranham a movimentação dos vizinhos leiloeiros-competidores, mas, mesmo assim, oferecem lanches e doces a eles.
O amish |
E logo vemos que alguns amishes também participam dos leilões – ou seja, aparentemente é inevitável a cooptação/assimilação do indivíduo social pelo sistema capitalista, mesmo nessa faceta mais estúpida. Nesse caso, são duas seitas, ambas cheias de hermetismos e estranhezas, alienações e dogmas, se encontrando numa área rural dos EUA.
[Talvez, no fundo, os amishes também queiram ser diferentes e especiais, pela via da renúncia à grande população, ou os amishes que vão ao leilão queiram fazer parte daquela outra exclusividade dentro da exclusividade deles, mas o filme não entra nesse mérito, é apenas especulação minha.]
Segundo o estudioso de cinema alemão John E. Davidson, “as simples escolhas de Herzog em filmar primariamente vários competidores através do dia permitem que o espectador desenvolva um senso generalizado de ‘vencedores’ – os três melhores (que conhecemos no início do filme) são uma extensão deslocada disso, que nós conhecemos durante o documentário”. ³
O gado |
Davidson também crê que essa divisão entre vencedores x perdedores, nós x eles, os que têm x os que não têm, “nos ajuda a entender melhor o que Herzog descobre em seus documentários norte-americanos”. 4
[Isso vai ficar bem claro na cruel pintura do “sonho americano” que o diretor fará no ano seguinte, em Stroszek.]
Este filme, tanto pelo hermetismo da linguagem esquisita, quanto pelos quadrúpedes presentes, e também pelo ridículo da situação, tem parentesco com Massnahmen Gegen Fanatiker, e também padece dos mesmos defeitos.
How Much Wood Would A Woodchuck Chuck começa bastante intrigante, com a apresentação dos competidores, suas explicações algo vazias, e a guinada da história para a apresentação dos amishes. No entanto, quando começa o campeonato propriamente dito, são dezenas de minutos daquele som de corda de berimbau vibrando, gado indo e vindo, e compradores fazendo gestos típicos do gestual das partidas de truco. E o final, anticlimático, é decepcionante.
Mais um Herzog só para fanáticos mesmo. Ou no máximo, para ser visto só até a metade.
Curiosidades sobre o filme:
– O campeonato de narradores de leilão – World Livestock Auctioneer Championship, organizado pela Livestock Marketing Association – existe desde 1963 e tem até site.
– Um dos participantes do campeonato é o mesmo que vai leiloar a casa de Bruno S em Stroszek (1977).
¹ ² HERZOG, Werner. Herzog On Herzog, de Paul Cronin. Editora Faber & Faber, 2001.
³ 4 DAVIDSON, John E. In: A Companion To Werner Herzog, de Brad Prager. John Wiley & Sons, 2012.
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